Água: O
Mito da Abundância
"Uma ação de gerenciamento dos
nossos recursos hídricos mais ética, ecológica
e sócioeconômica, nos livraria da situação
vexatória da falta de água de beber"
O Brasil ostenta a maior
descarga média de longo período de água doce do
mundo nos seus rios (5.610 km3/ano gerados no seu território).
Entretanto, como sua distribuição é, regra geral,
nada compatível com aquela da população, o conceito
de potencial de água por habitante vem sendo universalmente mais
utilizado. Assim, dividindo-se esse potencial pela população
de perto de 170 milhões de habitantes (IBGE, 2000), resulta num
potencial de água doce nos seus rios da ordem de 33.000 m3/hab/ano,
valor que coloca o Brasil na classe dos países ricos de água
doce, tal como os Estados Unidos e o Canadá.
Por sua vez, este critério permitiu
as Nações Unidas (1997) verificar que, regra geral, entre
1.000 e 2.000 m3/hab/ano são suficientes para usufruto de um
desenvolvimento sustentado com boa qualidade de vida nas cidades.
Assim, dividindo-se a descarga média
anual de longo período dos rios de cada uma das unidades da federação
- 26 Estados e um Distrito Federal - pelas respectivas populações
(IBGE, 2000), tem-se que os potenciais de água doce nos rios
do Brasil variam entre 1.137 m3/hab/ano (Pernambuco) até mais
de um milhão m3/hab/ano (Roraima). Além disso, a utilização
de apenas 25% das taxas de recarga dos 112.000 km3 de água subterrânea
que ocorrem em mais de 90% da área do território nacional
- equivalentes às descargas de base dos seus rios perenes - já
representaria cerca de 5.000 m3/hab/ano. Apenas nos 600.000 km2 de rochas
cristalinas subaflorantes do Nordeste semi-árido, os potenciais
de água subterrânea são de tal forma fracos e as
taxas de recarga anual escassas, que os rios dessa área são
temporários.
Portanto, uma ação de gerenciamento
dos nossos recursos hídricos mais ética, ecológica
e sócio-econômica, nos livraria da situação
vexatória da falta de água de beber. Basta lembrar que
no Centro Oeste dos Estados Unidos ou em Israel - cujos potenciais variam
entre menos de 500 e 1.000 m3/hab/ano e de menos de 500 m3/hab/ano,
respectivamente,e com climas do tipo árido com um coração
desértico - o gerenciamento dos seus recursos hídricos
deu suporte ao desenvolvimento da maior economia já existente
nestes contextos climáticos.
No Brasil, os dramáticos quadros da falta
d'água de beber nas cidades, resultam, fundamentalmente, da combinação
de três fatores principais: 1) o seu fornecimento ser pouco eficiente;
2) serem grandes os níveis de desperdícios do uso doméstico
e agrícola, principalmente; 3) a degradação da
qualidade - que é engendrada pelo lançamento de esgotos
não tratados nos rios e pela falta de coleta da maior parte do
lixo que se produz - ter alcançado níveis nunca imaginados.
Vale destacar que todos estes problemas são sensivelmente agravados
pela falta de água para geração de energia hidroelétrica,
o que paralisa as captações de água nos rios, as
estações de tratamento e as bombas dos poços, principalmente.
Assim, o mito da abundância de água
doce no Brasil - tanto para uso doméstico, agrícola ou
produção de energia elétrica - resulta, fundamentalmente,
da falta de uma ação proativa das Agências Reguladoras
do setor, cujo objetivo principal seja o uso cada vez mais eficiente
da gota d'água disponível - superficial, subterrânea
ou de reuso - como compromisso ético, ecológico e sócio-econômico.
Aldo da C. Rebouças
Prof.Titular Colaborador Inst.de
Geociências, Pesquisador Inst.
Estudos Avançados-Universidade
de São Paulo, Consultor
Secretaria Nacional de
Recursos Hídricos, Superintendência
de Recursos Hídricos da
Bahia
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