O misticismo, a água e a mineração
Na antiguidade clássica, Platão concebia que a água
dos rios e surgências eram provenientes de uma rede de condutos
interconectados, que terminava em uma grande caverna subterrânea,
"Tártaro". Aristóteles, por sua vez, acreditava
que a água subterrânea era proveniente da condensação
por esfriamento do ar e dessa forma os rios mais caudalosos nasciam
nas montanhas mais altas. Devido à importância destes filósofos,
o ciclo hidrológico somente foi conhecido durante o renascimento
no século XVII.
|
Lamentavelmente ainda existe um conceito mágico
ou místico sobre as águas subterrâneas, no
qual os lençóis e rios subterrâneos habitam
o imaginário do homem comum. Outro dia, ouvi na CBN, um
governador afirmando que "a vazão do Rio São
Francisco está baixa porque este ano não choveu
na Serra da Canastra", como se o resto da bacia não
existisse. O pior ainda é quando a autoridade maior fica
surpresa pela existência do fenômeno cíclico
da seca.
|
Estas coisas acontecem por nossa culpa, quando deixamos pessoas que
ostentam títulos de Doutor omitirem na mídia os preceitos
básicos da hidrogeologia, deseducando a população,
sabe-se lá porque. Manuel Ramón Llamas no clássico
Hidrología Subterránea (Ediciones Omega, 1976, pág.
252) comenta a frase de Roger Bacon (1214-1292) "Sine experientia
nihil sufficienter sciri potest" (sem experimentos nada pode ser
conhecido de modo suficiente) da seguinte forma: "... merecia todavía
hoy ser repetida con frecuencia a todos los que se dedican a la investigación
hidrogeológica.".
Por essas e outras, torna-se pertinente comentar o ocorrido em Lagoa
Santa, quando foi fechada uma mina de calcário com base em um
infundado parecer da promotoria pública, de que a mina secaria
a lagoa principal da cidade. Como o infundado, quiçá místico
parecer, que tampouco é público, não tinha consistência
em menos de uma semana a mina foi reaberta.
|
"... o geólogo e consultor
da Prefeitura de Lagoa Santa João Alberto Pratini de Moraes
explicou que ao aprofundar a mineração, o lençol
freático se atingido poderá prejudicar os recursos
hídricos, inclusive a Lagoa Central, porque não há
dados suficientes..." O Serviço Geológico do
Brasil, a CPRM, tem na região o Projeto Vida, um belíssimo
trabalho de hidrogeologia cárstica e não menos importante
é o trabalho da empresa Hidrovia que assiste a mina em hidrogeologia.
Talvez faltem dados sobre El Tártaro. |
No Simpósio da International Mine Water Association, este ano
em Belo Horizonte, esteve presente o Dr. Onnofrio Sammarco que trabalha
na Itália adaptando minas exauridas para produção
e armazenamento de água potável.
Visitei diversas minas na Europa nas quais as águas do desaguamento
são aproveitadas pela sociedade. Tenho predileção
pela Mina de Ferro de Alquife, próxima a Granada na Espanha,
região com 300 mm/ano de precipitação. A mina fechou
porque não consegue concorrer com o minério do Brasil
e Austrália, mas, os poços de rebaixamento continuam operando,
abastecendo uma cidade, três vilas e diversos irrigantes. Porque
não podemos fazer igual? Porque não se propõe o
aproveitamento da água? Será que somos um país
rico e sem miséria? Ou porque as nossas elites continuam cruéis
como sempre, igual ao tempo das senzalas.
|
Olho: Porque não se propõe o aproveitamento
da água? Será que somos um país rico e sem
miséria? Ou porque as nossas elites continuam cruéis
como sempre, igual ao tempo das senzalas
Antônio Carlos Bertachini
é Geólogo, Sócio da MDGEO Serviços de
Hidrogeologia Ltda., empresa especializada na prestação
de serviços para a área de mineração
e-mail: mdgeo@gold.com.br |
|